Atualmente, duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que objetivam a retomada da exigência do diploma para exercer a profissão de jornalista estão paradas no Congresso aguardando votação. Também tramita um projeto que pede o fim de taxas para a importação de equipamentos fotográficos para profissionais da área. Além disso, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e sindicatos pedem a atualização de decretos que regulamentam atividades desenvolvidas por profissionais de comunicação.
Quando o ministro Gilmar Mendes votou a favor da queda da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para exercer a profissão, no dia 17 de junho de 2009, argumentou que as notícias inverídicas são grave desvio da conduta que não encontram solução na formação em curso superior. Também disse que o decreto-lei 972/69, que regulamenta a profissão, foi instituído no regime militar e tinha clara finalidade de afastar do jornalismo intelectuais contrários ao regime.
Mendes, relator do caso, teve seu voto acompanhado por outros sete ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Único a votar a favor do diploma, Marco Aurélio Mello alegou que as técnicas para entrevistar, editar ou reportar são necessárias para a formação do profissional. “O jornalista deve ter uma formação básica que viabilize a atividade profissional, que repercute na vida dos cidadãos em geral”, ressaltou.
Menos de um mês após a decisão, o deputado Paulo Pimenta (PT/RS) apresentou a PEC 386/2009, que “altera dispositivos da Constituição Federal para estabelecer a necessidade de curso superior em Jornalismo para o exercício da profissão”. A matéria, no entanto, nunca chegou a ser apreciada em sessão da Câmara dos Deputados.
“Hoje, depois de anos de luta e muita discussão, já temos um ambiente aqui dentro da Câmara favorável à aprovação”, avalia Pimenta (leia a entrevista abaixo).
Seu conteúdo se assemelha ao da PEC 206/2012, uma proposição do senador Antonio Carlos Valadares (PSB/SE) feita três anos mais tarde. O texto teve parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, em 2013. Com sua aprovação no Senado Federal, foi enviado para a Câmara, onde nunca foi apreciado. Como tem caráter terminativo, ou seja, necessita apenas votação no plenário e não passagem por Comissão Especial, tornou-se o centro das atenções para quem é favorável ao retorno da obrigatoriedade do diploma.
“A formação de nível superior em Jornalismo foi um divisor de águas na qualificação da imprensa brasileira. Basta ir aos arquivos históricos dos jornais e revistas para verificar facilmente a diferença abissal de qualidade que o advento das faculdades de Jornalismo e da presença de jornalistas diplomados nas redações gerou. Esta melhoria é evidente não só nos aspectos técnicos, de linguagem, de texto, como também e especialmente no âmbito da ética”, opina o diretor de redação do jornal Correio do Povo, Telmo Ricardo Borges Flor.
Para o profissional, o argumento de Mendes de que a necessidade de diploma foi instituída no regime militar e tinha clara finalidade de afastar do jornalismo intelectuais contrários ao regime, ao ser utilizado durante a votação em 2009, é anacrônico e desconectado da realidade e do cotidiano das redações e do fazer jornalístico.
Conforme ele, o impacto do fim da exigência de curso superior é reduzido nos veículos mais tradicionais, visto a virtual exigência de diplomação para o acesso à absoluta maioria das vagas. As diretrizes gerais do Correio do Povo para qualquer função, por exemplo, determinam a escolha de profissionais qualificados e com a formação adequada ao melhor desempenho de suas funções, o que pressupõe, para funções jornalísticas, a formação superior na área.
“No entanto, creio que a proliferação na internet de sites, blogs etc. baseados na disseminação dos chamados fake news ou de outros enfoques irresponsáveis, mas pretensamente jornalísticos, é uma evidência de quanto a falsificação ganha espaço em ambientes descomprometidos com o exercício regular e adequado do jornalismo como profissão”, enfatiza.
Defensora da regulamentação da profissão de jornalista e da exigência de formação de nível superior específica em Jornalismo como um dos pilares dessa normatização, a FENAJ acredita que o jornalismo é uma das atividades essenciais para a vida democrática e o seu exercício requer conhecimentos teóricos e técnicos, além do compromisso ético.
“Pela importância do compromisso ético para a qualidade do jornalismo, não basta a exigência do diploma, mesmo que ela seja fundamental, é preciso também outros elementos da regulamentação da profissão, como a criação do Conselho Federal de Jornalistas, para a fiscalização do exercício profissional”, afirma Maria José Braga.
Outros temas em discussão
A retomada do diploma como indispensável para o exercício da profissão não é o único assunto legislativo que interessa aos profissionais de comunicação. Outros temas também afetam diretamente o jornalismo, como a necessidade de curso em Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) para ser locutor e produtor de rádio e televisão.
O curso técnico de 800 horas, que tem fiscalização do Ministério da Educação (MEC), habilita para funções como entrevistador, noticiarista, anunciador, apresentador e narrador ou comentarista esportivo.
Na visão da FENAJ, apresentadores de programas jornalísticos de rádio e de televisão estão exercendo uma atividade de jornalista. Conforme Maria José, a legislação profissional, que está em vigor apesar da derrubada da exigência do diploma, não cita muitas funções exercidas atualmente pelos jornalistas. Um exemplo é a função de assessor de imprensa. “Apesar de não estar na legislação, os jornalistas atuam como assessores de imprensa e têm suas habilidades e competências reconhecidas”, comenta a presidenta.
“É por isso que, além de defender a PEC do Diploma, a FENAJ luta também por uma atualização da regulamentação profissional, que, por coerência, será encaminhada depois do restabelecimento da exigência da formação de nível superior específica em Jornalismo para o exercício profissional”, diz Maria José.
Para o assessor jurídico do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (SINDJORS), Antônio Carlos Porto Jr., a necessidade de curso para locutor e produtor, regra proveniente da lei 6.615/78, é polêmica e possivelmente seja objeto de enfrentamento jurídico.
Isenção em importações
Apresentado pelo deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 141/2015 dispõe sobre a isenção de impostos e de contribuições na importação de equipamentos e materiais para uso exclusivo de fotógrafo, repórter fotográfico e cinematográfico, cinegrafista e operador de câmera.
Com limite de R$ 50 mil na compra de produtos, a proposta estabelece isenção do Imposto de Importação, do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) para os equipamentos importados que não tenham similar nacional.
“A isenção de impostos para importação de equipamentos não é uma coisa nova e existe no Brasil para diversos segmentos. A FENAJ entende que os profissionais jornalistas também devem ser beneficiados”, afirma Maria José. Entendimento semelhante ao de Porto Jr.: “É preciso dar um tratamento equânime a situações semelhantes”.
No texto de apresentação do PLC, Maia argumenta que o Projeto de Lei implica renúncia de receita. Entretanto, em contrapartida, estimula as atividades profissionais de fotógrafos e cinegrafistas, incentivando uma profissão importante e que muitas vezes é preterida.
Atualmente, a matéria está sob análise na Comissão de Assuntos Econômicos (Secretaria de Apoio à Comissão de Assuntos Econômicos), com relatoria da senadora Kátia Abreu (PMDB/TO).
Caso o projeto seja aprovado, haverá uma série de exigências para se obter o benefício, como a comprovação do exercício da profissão e a declaração de falta de equipamento similar no país.
ENTREVISTA
“O jornalista é ignorado pelo próprio sistema de mídia”
Deputado Paulo Pimenta é autor de uma das PECs Foto: Agência Câmara
O deputado Paulo Pimenta, formado em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e autor de uma das PECs que propõem a retomada da necessidade do diploma, concedeu entrevista ao Versão. Confira os principais pontos:
A PEC de sua autoria segue parada há anos no Congresso. Há alguma previsão de que seja votada?
Ela está pronta para ser votada em plenário pela Câmara dos Deputados. A FENAJ e os sindicatos continuam fazendo um trabalho importante de mobilização junto às lideranças no Congresso, mas precisamos ter todas as garantias de que teremos os votos necessários para a aprovação. Lembrando que para aprovação de uma PEC são necessários 308 votos, ou seja, um quórum elevado. Portanto, de nada adiantaria termos nos antecipado para colocar essa proposta em votação sem que tivéssemos os votos necessários. Hoje, depois de anos de luta e muita discussão, já temos um ambiente aqui dentro da Câmara favorável à aprovação da PEC.
Como o deputado vê o lobby feito pelos representantes de veículos de comunicação para que não seja aprovada nenhuma das duas PECs?
Atuam de maneira velada, mas detêm muito poder de influência. Sabemos que todas as vezes que há possibilidade da PEC dos Jornalistas entrar em pauta, eles se mobilizam.
O que os jornalistas podem fazer além para ajudar a pressionar a Casa e, consequentemente, levar adiante a PEC?
Participar das atividades dos sindicatos e pressionarem os deputados para que a matéria seja pautada. Precisam usar os espaços que possuem, de diálogo com a população, para alertar sobre os prejuízos para a sociedade de um jornalismo feito sem visão crítica, parcial, que passa a ter um único fim, atender interesses políticos e econômicos de pequenos grupos financeiramente poderosos em nosso país.
O jornalista é valorizado no país?
O jornalista é ignorado pelo próprio sistema de mídia. Por exemplo, manifestações de jornalistas nunca são retratadas na mídia. Sob esse aspecto, ele é um ser invisível. O fim do diploma de Jornalismo demonstra que os jornalistas não são valorizados em nosso país. O fim do diploma sempre foi uma demanda dos patrões para enfraquecer ainda mais o jornalista nas relações de trabalho. E o STF, absurdamente, aceitou essa reivindicação de meia dúzia de empresários que controlam o oligopólio das comunicações no Brasil.
Texto: Douglas Roehrs / Sindjors