Quem esteve na capital do país no dia 24 de maio não tem dúvidas do significado do que ocorreu nesta data: foi a maior marcha desde o golpe de 2016, reunindo nove centrais de trabalhadores, sindicalistas, representantes de movimentos sindicais e estudantes. O histórico Ocupa Brasília teve dimensão grandiosa, pois contou com mais de 200 mil pessoas de todos os cantos do Brasil. Bem organizado e pacífico, foi ignorado solenemente pela grande mídia brasileira, que preferiu enfatizar as ações de pequenos grupos, usadas como justificativa para a grande e indiscriminada repressão militar, a mando do governo Temer. Todos seriam bagunceiros e vândalos, conforme o ideário das grandes empresas de comunicação. Militantes ficaram feridos por bombas de efeito moral, em decorrência do gás lacrimogêneo e, inclusive, por disparos de balas letais. Muitas delas jogadas de três helicópteros que faziam constantes voos rasantes sobre a multidão.
Antes da ação das forças repressivas, que se assemelha aos piores momentos da ditadura civil-militar, Brasília amanheceu colorida. Desde a madrugada, os mais de 200 mil manifestantes oriundos de todo o Brasil começaram a ocupar o entorno do Estádio Mané Garrincha e da Torre de TV. Cálculos da Polícia Militar do Distrito Federal apontaram que mais de 500 ônibus estacionaram no local ao longo do dia. Muitos também foram a Brasília em carros particulares ou de avião. A marcha saiu por volta do meio-dia da frente do estádio e seguiu organizada e absolutamente tranquila até a frente do Congresso Nacional, onde uma barreira da Polícia Militar e da Polícia Legislativa do Distrito Federal impediu que os manifestantes ocupassem o gramado.
Na marcha, seguiram caminhões de som de cada central sindical, acompanhados por militantes portando orgulhosos suas bandeiras, faixas e cartazes. Gritavam palavras de ordem e entoavam canções que se tornaram hinos na época da ditadura, como Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores, de Geraldo Vandré. Muitos, especialmente os mais velhos, se emocionaram ao ouvir a multidão entoar “Caminhando e cantando/E seguindo a canção/Somos todos iguais/Braços dados ou não...” Ou ainda Que País é Este, do Legião Urbana.
Grupo avançou pela Esplanada dos Ministérios Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Dirigentes da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e representantes de sindicatos de jornalistas representaram a categoria na marcha. Pela Federação, estiveram presentes a secretária-geral Beth Costa, o diretor José Carlos Torves e a diretora do Departamento de Mobilização Sindical, Déborah Lima, que discursou para os manifestantes no caminhão da CUT. Ela enfatizou que as reformas em curso tiram direitos dos trabalhadores e que é preciso resistir e lutar para que elas não sejam aprovadas. “Repudiamos a postura de parte da mídia brasileira de legitimar o desmonte da CLT ao apresentar as reformas como necessárias e modernizantes”, destaca.
Representando o Sindicato dos Jornalistas Profissionais Rio Grande do Sul, participaram do Ocupa Brasília o primeiro secretário Jorge Correa e a integrante do Conselho de Ética Vera Daisy Barcellos, também presidenta da Comissão Nacional de Ética da FENAJ. “Fui ativista na luta pelas Diretas Já em 1985, com grandes manifestações em todo o Brasil, que a Globo boicotou. Depois, estive em Brasília em janeiro de 2003 na posse de Lula, primeiro presidente operário do Brasil. Foi uma manifestação grandiosa, que ninguém pôde esconder. Agora, estivemos novamente no Distrito Federal lutando pela democracia e mais uma vez a grande mídia tenta ocultar a dimensão e o propósito da marcha. Não conseguiram”, afirma Correa.
Não é de hoje que Vera Daisy acompanha passeatas emblemáticas realizadas na capital federal. “A primeira delas foi a grande Marcha Zumbi dos Palmares, em 1995, na qual denunciávamos o racismo existente no país e a ausência de políticas públicas para a população negra”, lembra. Em novembro de 2015, ela e mais 50 mil mulheres negras ocuparam a Esplanada dos Ministérios. “O término do ato, no canteiro à frente do Congresso Nacional, foi antecipado por homens infiltrados, provocadores, racistas, machistas, misóginos e pela polícia militar com suas balas de borracha, cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo. Saldo: muitas mulheres feridas e um ato interrompido pelo fascismo dotado de armas de fogo”, conta.
Vera Daisy Barcellos e Jorge Correa representaram o SINDJORS Foto: Divulgação
No Ocupa Brasília, tanto Vera Daisy quanto Correa participaram de todo o ato e observaram movimentos dos provocadores. Perceberam por onde passaram turbas de homens e mulheres jovens ou até com mais idade, com roupas escuras, sujas e coloridas, utilizando coturnos, bonés de diversas marcas e rostos cobertos com lenços. Os infiltrados adotaram a mesma estratégia de outras manifestações: durante a caminhada, em pequenos grupos, separaram-se da manifestação e seguiram em ritmo de marcha e, por vezes mais rápido, em direção a outros pontos. No caso, como foi possível ver mais adiante, os objetivos eram os ministérios. Era onde também estavam centenas de militares prontos para a repressão, que foi muito superior aos alegados estragos provocados pelo grupo de supostos agitadores.
A ação começou quando dirigentes sindicais, deputados federais e senadores faziam discursos em um caminhão de som localizado dentro do limite imposto pelas forças de segurança do Distrito Federal. Estas, de forma truculenta atacaram os manifestantes, entre eles crianças e idosos, que estavam pacificamente lutando por seus direitos e contra o governo Temer. O presidente que assumiu o lugar de Dilma Rousseff após o golpe parlamentar de 2016 aproveitou-se da confusão e mandou a Força de Segurança Nacional às ruas. Segundo o governo, era preciso garantir a lei e a ordem.
Vera Daisy durante a manifestação Foto: Jorge Correa / Sindjors
Para o presidente nacional da CUT, Vagner Freitas, Temer mais uma vez mostra que é fraco e covarde. “Tão covarde que tentou esconder uma manifestação pacífica de mais de 200 mil pessoas contra suas reformas neoliberais atrás de uma nuvem de gás lacrimogêneo. E tão fraco que correu para se esconder atrás das Forças Armadas”, destaca.“A violência policial, que jogou centenas de bombas de gás de pimenta, deixou a marcha inconclusa”, avalia o presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo, que participou da manifestação junto com centenas de trabalhadores gaúchos de diferentes categorias. “Vamos concluir essa marcha com uma nova greve geral para barrar as reformas do Temer e exigir diretas já”,enfatiza o dirigente.
Os jovens que fazem história
Prestes (esq.) e Denil (dir.) lideraram a comitiva de jovens Foto: Jorge Correa / Sindjors
A juventude participou do Diretas Já antes da redemocratização do país e foram os “carapintadas” na derrubada do presidente Fernando Collor de Mello. Agora, está de volta pedindo o retorno da democracia no Brasil. Marchou firme ao lado de veteranos sindicalistas durante o Ocupa Brasília, no dia 24 de maio, quando pediram “Fora Temer” e combateram as reformas trabalhista e previdenciária em tramitação no Congresso Nacional. Muitos jovens enfrentaram mais de 70 horas de viagem nos 2.129 quilômetros que separam Porto Alegre de Brasília em um dos muitos ônibus que saíram da capital gaúcha na segunda-feira à noite, 26 de maio. Na volta, não havia cansaço no rosto, mas sorrisos de satisfação pela oportunidade de participar de um momento histórico.
No ônibus contratado pelo Sindicato dos Técnicos Científicos do Rio Grande do Sul (Sintergs), a lotação era composta por 70% de jovens ligados à União Gaúcha de Estudantes (Uges) e à União Metropolitana dos Estudantes Secundários de Porto Alegre (Umespa), oriundos de cidades como Porto Alegre, Osório, Charqueadas e São Jerônimo. Para o presidente da Uges, Marcos Adriano Prestes, 21 anos, a ida a Brasília não é novidade. Ele já participara dos Congressos da União Brasileira de Estudantes (Ubes) em São Paulo e Belo Horizonte, em 2013 e 2015, e, recentemente, da greve geral de 28 de abril na capital paulista, sempre de ônibus. “Não tem nada ruim para nós. Queremos mudar o país na área da educação e somos contra as reformas, pois está em jogo o nosso futuro. Cada momento destes fará parte da história do país”, diz o jovem, disposto a voltar à estrada nos próximos dias.
Seu colega da Umespa, Erick Denil, 23 anos, assumiu a presidência da entidade em 2013 e foi reeleito em 2015. Desde então, mantém-se ativo em congressos e manifestações. Em 2013, participou do Congresso da Ubes em Belo Horizonte, quando três ônibus saíram lotados de Porto Alegre. Em 2014, esteve no Congresso Afrobrasileiro em São Paulo e, na mesma cidade, foi ativista da greve geral de 28 de abril. “É estimulante estar no Ocupa Brasília, pois notamos que a população não está disposta a aceitar as mudanças propostas pelo Governo”, frisa, condenando a forte repressão militar na capital federal.
Duilia (esq.), Farias e Isadora (dir.) foram os mais novos participantes Foto: Jorge Correa / Sindjors
Três jovens debutaram em manifestações fora do Rio Grande do Sul. Isadora Dias, 17 anos, estuda Administração no Campus Osório do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), onde é presidenta do Grêmio Estudantil. “A luta contra as reformas é de todos os brasileiros. Estamos juntos por nós e pelos mais velhos”, destaca. Sua colega do IFRS, Duilia Deon, 17 anos, que faz o técnico em informática, diz que os pais a incentivam a atuar na política estudantil, na qual ela milita faz um ano. Para Anderson Farias, 16 anos, estudante da Escola Estadual Roque Gonzalez, a militância na Umespa começou no ano passado. O jovem vê com satisfação a interação entre jovens e sindicalistas experientes na delegação que foi a Brasília. “Aprendemos muito. E vocês experientes também”, diz.
FENAJ repudia violência contra jornalistas
A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) vem a público repudiar veementemente a repressão violenta à manifestação de milhares de brasileiros e brasileiras, dia 24 de maio, em Brasília. Igualmente repudia as agressões dirigidas a profissionais jornalistas que faziam a cobertura da manifestação popular contra as reformas trabalhista e da Previdência e contra o governo ilegítimo de Michel Temer.
O uso da força policial e das Forças Armadas para conter de forma violenta uma manifestação pacífica evidencia que o Brasil está vivendo um Estado de exceção, no qual os direitos civis e políticos de sua população são desrespeitados pelo próprio Estado.
Atuação da polícia durante a manifestação Foto: José Cruz / Agência Brasil
O fato de o presidente ilegítimo decretar o emprego das Forças Armadas “para a Garantia da Lei e da Ordem no Distrito Federal” mostra que o governo que não mais se sustenta está disposto a recorrer ao arbítrio e à barbárie para se manter. Por isso, a FENAJ chama a sociedade brasileira para a defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito. Não podemos aceitar retrocessos históricos!
A FENAJ também chama a atenção da sociedade para os frequentes casos de agressões a jornalistas. Nos últimos anos, profissionais têm sido agredidos durante manifestações públicas, principalmente por policiais, mas também por manifestantes. Segundo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Distrito Federal, pelo menos quatro jornalistas foram agredidos na manifestação de ontem. A repórter Giselle Garcia, da TV Brasil, foi atingida por uma bomba lançada à distância e teve de ser levada a um hospital para a retirada de estilhaços na perna.
O jornalista Nilson Klava, da Globo News, foi agredido por um policial militar, no momento em que fazia uma entrevista com um manifestante. Ivan Brandão, repórter da rádio BandNews, foi coagido e impedido por homens da Força Nacional de fazer uma transmissão ao vivo. Um repórter da agência Bloomberg também foi agredido e outros profissionais sofreram com o uso indiscriminado de bombas de gás lacrimogênio.
A FENAJ reafirma a importância do trabalho dos jornalistas para a democracia e para a constituição da cidadania, ao mesmo tempo em que pede respeito aos profissionais. Também reafirma sua firme disposição de lutar pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros, bem como pela ordem democrática.
*Jorge Correa e Vera Daisy Barcellos viajaram para Brasília a convite do Sintergs