Notícias


Do choro à luta: os novos capítulos da batalha pela permanência da Fundação Piratini

Na madrugada do dia 21 de dezembro do ano passado, 30 deputados estaduais aprovaram a extinção da Fundação Piratini. Após o momento mais delicado do embate de servidores e sindicatos contra o Estado, a questão ainda é cercada de incertezas e ganha novos capítulos.

 

Quando o PL 246 foi encaminhado para votação, na madrugada do dia 21 de dezembro de 2016, Angélica Coronel, repórter da TVE, 39 anos, abandonou seu posto de resistência, na Assembleia Legislativa. Desde que fora anunciado o pacote de cortes do governador José Ivo Sartori, um mês antes, funcionários concursados da televisão pública e da rádio FM Cultura se dividiram em grupos de trabalho. Angélica integrava a equipe responsável pela articulação política com os deputados para tentar garantir que votassem contra a extinção da Fundação Piratini.

 

Chegado o momento decisivo, não havia mais nada para ser feito onde estava. Foi para o local onde os colegas manifestavam sua contrariedade ao projeto, gritavam pela defesa de seus empregos. A sensação que mais marcou a jornalista foi o frio no local, devido ao ar-condicionado, que contrastava muito com o calor sufocante da rua. “Essa frieza se reproduz no resultado da votação, que não levou em consideração a importância do que a gente faz, de quem nós somos, qual a nossa trajetória, a importância desse serviço público”, desabafa Angélica.

 

Com 30 votos favoráveis, foram aprovadas, em uma só vez, as extinções das fundações de Ciência e Tecnologia (Cientec), de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), Zoobotânica (FZB), de Economia e Estatística (FEE), Piratini (TVE e FM Cultura) e para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH).

 

Clique aqui para ler a edição completa do Versão dos Jornalistas

 

O clima já era de profunda tristeza. Após o resultado, Angélica desatou a chorar e gritou muito. “Olha pra cá, vem ver a mãe de família que vocês demitiram”, falou para os deputados a mãe da pequena Alice, 5, e filha de Vera, 80, responsável pelo sustento de ambas. “Nenhum deputado teve coragem de olhar. Eles não tinham coragem de dizer parem, pois sabiam o crime que estavam cometendo ali”, lembra a repórter.

 

“Gente que estava aguentando até ali, desabou”, recorda José Fernando Cardoso, programador musical da FM Cultura, 47, que estava acompanhado da esposa, Silvana Schmidt, 35.

 

“Lembro de muitas pessoas chorando. Fiquei bastante triste e revoltado, a ponto de botar na cabeça que não derrubaria uma lágrima sequer, não mostraria minha tristeza na frente dos deputados”, rememora Frederick Martins, analista da TVE, 30.

 

Bombas distantes

 

O pacote de cortes anunciado pelo Executivo e aprovado pelo Legislativo prevê a demissão de 1,2 mil funcionários, que, na semana de votação, protestaram na Praça da Matriz, rodeados pelos três poderes. Em resposta à tentativa de diálogo, o Palácio Piratini e a Assembleia Legislativa foram cercados pela polícia, que mais de uma vez agiu para dispersar os manifestantes, inclusive com auxílio de helicóptero.

 

“Eu nunca tinha participado de coisa assim, respirar aquele ar com gás. Foi muito desgastante, triste”, diz Cardoso. Angélica, que estava dentro da Assembleia, ouvia o barulho das bombas muito baixo, como se fosse algo distante: “tu percebes o quanto a atividade daqueles parlamentares não tem relação alguma com quem está lá na rua, com quem está sofrendo, porque eu sabia que os meus colegas estavam lá fora tomando bomba, chorando naquele calor insuportável”.

 

Martins correu diversas vezes para escapar das bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela PM. Após as 20h, entrou na Assembleia para acompanhar a votação, sem jantar. Quando chegou em casa, já amanhecendo, não conseguiu dormir – estava com muita dor de cabeça e pensava o que seria do futuro. “Foram dias bem difíceis mesmo. Só consegui ficar em paz quando saiu a liminar da necessidade de negociações coletivas”, afirma.

 

Polícia jogou bombas de gás lacrimogêneo nos servidores Foto: Douglas Roehrs / Sindjors

 

Ação na Justiça

 

O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (SINDJORS), Milton Simas, acompanhado do diretor da entidade e servidor da TVE Paulo Gilberto Alves de Azevedo, protocolou uma representação contra a demissão em massa dos servidores da Fundação Piratini, na manhã do dia 19 dezembro.

 

O documento, formulado pelo SINDJORS e pelo Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão do Rio Grande do Sul, pedia que nenhum funcionário fosse demitido sem prévia negociação coletiva com os sindicatos representantes das categorias.

 

O pedido foi acatado e por mais que o governador Sartori tenha sancionado o projeto que extingue a Fundação, com publicação no Diário Oficial do dia 17 de janeiro, o Estado teve que dar início às tratativas com os sindicatos.

 

O primeiro encontro, realizado no Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), em 9 de fevereiro, foi marcado pela falta de um plano de demissões por parte do governo. “Eles perguntaram qual era o nosso projeto. Quem tem que dizer isso são eles, que estão destruindo o Estado, e não os sindicatos”, ressalta Simas.

 

Na ocasião, o presidente do Sindicato entregou um ofício pedindo esclarecimentos sobre a situação dos funcionários e o destino dos equipamentos e da estrutura física. “Cada trabalhador é um caso diferente. Há muitas especificidades e o Estado não pode achar que simplesmente vai mandar todo mundo embora sem levar isso em conta. Além disso, queremos saber o que vai acontecer com o acervo da TVE e da FM Cultura, o que vão fazer com a antena retransmissora, entre outras questões”, destaca.

 

Frente unificada

 

Com intuito de defender os servidores e o patrimônio científico e cultural do Rio Grande do Sul, a Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS), por meio do seu coletivo jurídico, montou a Frente Jurídica em Defesa das Fundações.

 

O grupo de advogados está preparando uma série de ações na Justiça comum para contestar as extinções. Os profissionais estão analisando, caso a caso, as situações que envolvem ataque a direitos trabalhistas e dilapidação de patrimônio público, além da própria razoabilidade dos atos administrativos do governo do Estado, que invocam uma suposta economia de recursos como justificativa para as extinções.

 

O secretário de Comunicação da CUT-RS, Ademir Wiederkehr, afirma que a luta contra a extinção das fundações não se encerrou com as votações de dezembro de 2016, na Assembleia Legislativa, nem com os decretos publicados pelo Executivo no Diário Oficial.

 

 O advogado Antônio Carlos Porto Jr., representante do Sindicato dos Jornalistas, questiona a racionalidade econômica das propostas de extinção das fundações: “a extinção da TVE, por exemplo, não faz sentido econômico, pois seus gastos de custeio representam 0,09% do que o Estado investe neste item”. Além disso, acrescenta que a existência de uma comunicação pública não é um capricho do governante, mas sim uma norma constitucional.

 

A luta continua

 

Quando Angélica chegou em casa, na manhã após a votação, a sensação que tinha era de luto. Durante vários dias, colegas e amigos ligavam porque sabiam que uma tragédia muito grande tinha acontecido na vida dela. No entanto, a jornalista não desistiu de tentar salvar a Fundação: “a gente não vai desistir dessa luta, tem muita briga pela frente”.

 

“Eu ainda não joguei a toalha. Vamos lutar até o último momento para tentar evitar a extinção. Trabalhamos com a ideia de conscientizar as pessoas”, exclama Cardoso.

 

Ele e seus colegas não estão sozinhos. Em janeiro,  por exemplo, intelectuais, artistas e cientistas gaúchos lançaram carta aberta ao governo do Estado mostrando-se contrários às extinções.

 

Francisco Marshall, um dos signatários, em artigo para o jornal Zero Hora, diz que o Estado “extirpa cérebro e coração, remove inteligência e sensibilidade, e pensa com isso fazer algo novo. Faz, sim. Novo grau da barbárie. Novo cenário de miséria”.

 

Texto: Douglas Roehrs / Sindjors

Publicada em 06/03/2017 18:19


Copyright © SINDJORS. Todos os Direitos Reservados.